loader image

Vivemos tempos definitivamente ansiosos.

Temos de lidar com sobrecarga de tarefas, elevada velocidade de informação, altos graus de cobrança, poucas válvulas de
escape, intolerância ao erro, necessidade de ser multitarefa, falta de tempo. Esse é um terreno fértil para o aparecimento
de formas exacerbadas e disfuncionais de ansiedade, um fenómeno biológico universal presente em boa parte das
pessoas na atualidade.

Quando falamos em ansiedade, pensamos em um conjunto de emoções e reações corporais que antecedem o novo, o desafio ou uma experiência de alguma forma arriscada ou stressante. Trata-se de um pacote cerebral que precisa de estímulos específicos para aparecer e gera uma resposta física imediata, preparando o corpo para o enfrentamento ou para a esquiva de uma situação fora do comum. Sempre que o cérebro perceber que algo importante está prestes a ocorrer, ele desencadeará uma série de eventos que chamamos genericamente de ansiedade, ou antecipação ao stresse.

Esse “modo expectativa” pode ser acionado tanto para eventos bons (uma festa, um encontro, uma formatura, o nascimento de um filho) como para eventos potencialmente ruins (a chegada a um local perigoso, o receio de um diagnóstico, o medo de perder o emprego etc.).

Sentir-se ansioso, nesses contextos, é sinal de saúde! Quando o cérebro se antecipa diante de situações reais a fim de gerar
uma sucessão de ajustes proporcionais a elas, o resultado tende a ser o melhor possível.

O que seria de uma comemoração ou de uma viagem sem aquela sensação de ansiedade que as antecede?

E quem nunca ouviu a frase “O melhor da festa é esperar por ela”?

Da mesma forma, quando a percepção antecipatória está relacionada ao risco, a ansiedade pode nos salvar: nos fazendo evitar um local escuro e ameaçador pela sensação de que poderemos ser assaltados, nos impedindo de nos aproximar demais do parapeito de um edifício pelo desconforto da altura ou mesmo nos estimulando a desistir de sair de casa ao avistarmos uma nuvem negra no céu.

Esses são exemplos claros da ansiedade do bem, aquela que nos motiva ao antecipar o prazer das conquistas e a que nos resguarda dos riscos ao ajustar a reação de enfrentamento.

Para ilustrar o lado bom da ansiedade, lembrei-me de uma passagem bem famosa (e um pouco clichê) do livro “O
pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, em que a raposa diz:

Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade!
Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração… [1]

O pequeno príncipe,
de Antoine de Saint-Exupéry

Veja aqui um claro e poético exemplo de parcela emocional paga antecipadamente, do empenho do cérebro em antever o futuro provável, em vivenciar e se “pré-ocupar” com a simples expectativa, adiantando-se e preparando-se para o prazer. Aqui a ansiedade mostrou-se bela e eficaz.

No entanto, todo sistema biológico complexo é passível de falhas (estava demorando para o lado negativo aparecer, não é?), e com esse não poderia ser diferente. O transtorno ocorre quando o sistema se desregula, gerando respostas físicas e emocionais desproporcionais em relação ao risco (exageradas seja em intensidade, seja em duração) ou na ausência de risco real.
Atualmente, vivemos uma epidemia de ansiedade patológica, um distúrbio que leva à baixa de rendimento e que pode assumir formas bastante incapacitantes. Estima-se que de 15 a 20 por cento dos adultos (1 a cada 5) apresentem formas patológicas de ansiedade durante a vida. Isso engloba centenas de milhares de pessoas pelo mundo, tornando o transtorno uma das doenças mais comuns de que se tem conhecimento.

Nas mulheres, o risco é cerca de duas vezes maior. Geralmente os sintomas surgem na adolescência ou durante o início da vida adulta, mas podem aparecer em qualquer idade. Existem formas agudas (repentinas) e autolimitadas (que duram pouco
tempo e se resolvem sozinhas), mas também existem formas crónicas, que podem se arrastar durante longos períodos, levando a um impacto directo na qualidade de vida.

Aliás, essa é a medida para saber quando a ansiedade se torna um transtorno: ela passa a ser desregulada, gerando sofrimento demasiado e reduzindo o rendimento emocional e cognitivo.
É interessante notar que quando se manifesta de forma patológica, ou seja, na forma de doença, a ansiedade pode assumir diversas faces ou expressões clínicas. Iremos discutir bastante essas formas nos próximos capítulos, mas vale aqui uma breve apresentação das mais comuns e frequentes: transtorno de ansiedade generalizada (TAG), síndrome do pânico (SP), síndrome do stresse pós-traumático (SEPT), transtornos compulsivos e obsessivo-compulsivos (TOC) e fobias específicas.

Essa sopa de letrinhas é uma tentativa moderna de classificação a fim de organizar o raciocínio médico e melhorar o diagnóstico e os tratamentos desses tipos peculiares de manifestação da ansiedade.

O que todos os casos têm em comum é serem distúrbios da expectativa, provocando sensações desproporcionais ao risco, disfunção na percepção da realidade e na resposta ao medo. As formas mais intensas, com sintomas evidentes, trazem
muito sofrimento e angústia, paralisando o paciente em situações cotidianas e levando, eventualmente, à crónica fuga de situações de exposição.

Foi somente a partir do século XX que a comunidade médica voltou a atenção para esse tipo de disfunção, descrevendo melhor os eventos e conduzindo melhor os estudos. Mas, mesmo antes, durante toda a história da medicina, casos já eram vivenciados e por vezes apresentados pelas mais diversas especialidades. Ocorrem nos quatro cantos do mundo e são expressos em todas as culturas, cenários sociais e crenças. Isso aponta para a consistência de tais diagnósticos e para a vulnerabilidade humana a perturbações no mecanismo de gerenciamento da ansiedade.

Felizmente, junto com o crescente reconhecimento das patologias da ansiedade houve também evolução nos tratamentos. Nas últimas décadas, tanto a psicoterapia nas suas diversas formas como a farmacologia avançaram muito e, atualmente, conseguem, ora juntas, ora separadas, propiciar um bom incremento na qualidade de vida dos pacientes que buscam ajuda especializada. A compreensão dos processos cerebrais que levam à disfunção dos mecanismos de avaliação e resposta ao risco foi fundamental nessa franca evolução dos tratamentos disponíveis.

Do Livro: O Cérebro Ansioso: Aprenda a Reconhecer, Prevenir e Tratar o Maior Transtorno Moderno, de Leandro Teles

Pin It on Pinterest

Share This